A gastronomia principal está ligada à criação de cabras que nestas pastagens de montanha encontram o local ideal para se desenvolverem. Assim os principais pratos feitos à base de carne de cabra são: Chanfana; Negalhos; Chispe e Sopa de Casamento.
A Chanfana teria surgido no Mosteiro de Santa Maria em Semide, instituição religiosa pertencente actualmente à nossa freguesia de Semide, generalizando-se o seu consumo após a 3ª Invasão Francesa, apoiada numa região com tradição na produção vinícola e com uma indústria de transformação de barro ancestral.
Até finais do séc. XIX, todos os agricultores e rendeiros eram obrigados ao pagamento dos foros. Muitos dos moradores, porque eram pastores, pagavam com cabras e ovelhas. Os foreiros libertavam-se dos animais mais velhos que já não lhes davam leite nem se reproduziam. Ora, como as freiras não tinham disponibilidade nem meios para manter tão grande rebanho, descobriram uma fórmula para cozinhar e conservar a respectiva carne, aproveitando o vinho que lhes era entregue pelos rendeiros, o louro que tinham na sua quinta, bem como os alhos e demais ingredientes.
Surge, assim, a Chanfana que era religiosamente guardada, ao longo do ano, nas caves frescas do mosteiro. A carne assada no vinho mantinha-se no molho gorduroso solidificado, durante largos meses. É inegável, em termos históricos, a contribuição das ordens religiosos no aparecimento de muita da nossa gastronomia. Basta lembrarmo-nos da doçaria conventual. O vinho tinto utilizado era de grande qualidade, pois só assim a carne ficaria mais tenra. Não se pode deixar de associar a utilização deste líquido ao facto do concelho de Miranda do Corvo, nomeadamente a freguesia de Lamas, onde o Mosteiro possuía inúmeros coutos, ser conhecida pela qualidade do seu vinho tinto “carrascão”, ainda hoje produzido em abundância.
Durante a terceira Invasão Francesa, as freiras terão divulgado esta fórmula gastronómica, devido a necessidades imperiosas da própria conjuntura histórica, concretamente, para evitar que os soldados franceses roubassem as cabras e as ovelhas da região. Diz-se, então, que quando as tropas francesas circularam pela região de Miranda do Corvo, a população envenenou as águas para matar os franceses. Mas, como era necessário cozinhar a carne habitualmente consumida, utilizou-se o vinho da região. A Chanfana é um prato típico do concelho de Miranda do Corvo, de onde cremos ser originária, que se expandiu praticamente por toda a região centro onde adquiriu várias nuances. É muito apreciada e servida em quase todos os restaurantes do nosso concelho. De salientar que constitui o prato «obrigatório» quando decorrem as festas religiosas em todos os lugares da Freguesia de Semide, e é ainda hoje imprescindível na ementa dos casamentos, sendo como tal também chamada “Carne de Casamento”.
Assim a gastronomia característica da freguesia de Semide nasce com o modo de vida e criatividade das monjas do Mosteiro de Santa Maria de Semide, importante núcleo religioso e administrativo; no contexto político, social e económico da 3ª Invasão Francesa; condicionada pela presença de um complexo industrial de oleiros do barro vermelho e uma boa produção vinícola. Numa época em que as dificuldades económicas prevaleciam na maior parte da população, tudo tinha de ser minuciosamente aproveitado. Assim, com a carne temos a Chanfana; com o molho e as sobras, a Sopa de Casamento; com as peles (depois de limpas e secas ao sol) faziam-se os “foles” para levar os cereais aos moinhos e o azeite às feiras. Consta que também os Negalhos remontem a esse difícil período da época da terceira Invasão Francesa, em que as necessidades de sobrevivência e de miséria se acentuaram ainda mais.
Estando a rarear a carne, porque os invasores franceses roubavam os rebanhos, a população teve de aproveitar tudo, inclusivamente as tripas dos animais cuja carne – preciosa e agora rara - utilizava na sua alimentação. Experimentaram, então, cozinhar as tripas segundo a receita da Chanfana e terá dado resultado. Há um factor extremamente importante para o sucesso destes pratos, que se prende com as condições de cozedura. Tanto a Chanfana, como os Negalhos são cozinhados em caçoilas de barro tapadas com folhas de couve. Neste concelho desenvolveu-se uma indústria artesanal de olaria de barro vermelho de que há notícias, pelo menos, desde o séc. XVI. O forno de lenha, elemento fundamental na cozedura da broa, é previamente aquecido e, depois de fechada a boca, deve ser vedado com barro. Como estes pratos apenas são consumidos no dia seguinte, devem ser mantidos no forno até à hora de serem servidos. Nessa altura o barro é picado para abrir a porta e a caçoila é retirada e colocada sobre as trempes junto à lareira para aquecer lentamente. Comia-se carne apenas em épocas especiais – festas, casamentos - e os legumes plantados em pequenas hortas, a par do pão, foram, desde sempre, os alimentos de maior consumo pela população portuguesa. Como tal o aproveitamento de um produto tão precioso como a carne tinha que ser total, evitando todo e qualquer desperdício.
Assim, comida a Chanfana, com o molho faz-se a “Sopa de Casamento”. Era tradição dar aos convidados o almoço no dia seguinte ao casamento, e como já não havia carne suficiente, com o molho fazia-se a dita sopa e enfeitava-se com os restantes pedaços de carne. Trata-se de um aproveitamento óptimo do molho da chanfana, que nunca é totalmente consumido. Como é muito saboroso e rico, não só em gordura mas também nos sucos de carne, seria uma pena desperdiçá-lo. Tal como a Chanfana, este prato é cozinhado em recipiente de barro vermelho para depois ir ao forno apurar. A Sopa de Casamento acaba por ser o fechar do ciclo de aproveitamento da cabra.